sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Deus de Natal

Eduardo Hoornaert
Padre casado, belga, com mais de 5O anos de Brasil, historiador e teólogo, mais de 20 livros publicados. Mora em Salvador. Dedica-se agora ao estudo das origens do cristianismo
O Deus de Natal é um Deus estranho. Ele nasce num presépio na periferia da cidade, ‘pois não há lugar para ele’ na sociedade estabelecida. Pois a sociedade prefere a ordem, ou seja, a desordem instalada. Desde o nascimento de Jesus, o Deus dos cristãos se torna o Deus da desordem, ou seja, da formação de uma nova ordem, baseada em justiça e respeito por todas e todos. O Deus de Belém rejeita a ideia que toda sociedade, para funcionar bem, tem de produzir necessariamente vítimas que devem ser expulsas do convívio ‘decente’. O casal José e Maria, proveniente da Galileia, foi rejeitada em Belém, na orgulhosa Judeia, por ser considerado indigno de hospedagem decente. Foi rejeitado para o campo, entre pastores (uma classe ‘fora da lei’) e animais. Assim como pobres, empregadas domésticas, operários explorados, marginais, ladrões, prostitutas, homossexuais e divorciados são hoje afastados da boa convivência.

Este ano celebramos o Natal de forma um tanto diferente, pois, pelo mundo afora, os rejeitados da sociedade (que hoje são a grande maioria) se mostram ‘indignados’.Eles dizem: já basta! O movimento começou na Tunísia, no final do ano passado, em janeiro passou para o Egito e daí se espalhou pelo mundo. Alcançou Atenas, Madrid, Santiago de Chile, Nova Iorque e se espalha atualmente por mais de cem cidades americanas e outras tantas cidades pelo mundo.

Os que participam do movimento‘Ocupe Wallstreet’ (Occupy Wallstreet) dizem que ‘os rejeitados’ da sociedade americana somam hoje 99 por cento da população. Isso é uma situação insuportável e é essa situação que merece ser lembrado na festa de Natal 2011. Aqui no Brasil assistimos pouco tempo atrás a um movimento de estudantes indignados no campus da Universidade de São Paulo, e deve haver muito mais movimentação que o noticiário não registra. Essa ‘primavera’ política, que por enquanto apenas mostra os primeiros brotos, tem muito a ver com o Natal cristão. Não foram os pastores, rejeitados na sociedade de Israel, os primeiros a visitar Jesus no presépio? Em vez de admitir uma sociedade que se resigna diante do fato que de que ‘sempre há vítimas’, o Deus de Belém se revolta. Ele decreta o perdão geral: ‘glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade’. Doravante, a ordem é perdoar sempre, não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes. A tarefa do cristianismo consiste em construir uma sociedade sem vítimas, uma sociedade de irmãos e irmãs que se respeitem e valorizem e combatam insistentemente todo e qualquer sinal de discriminação. Desse modo , o Deus ‘desordenado’ de Belém nos adverte diante do perigo de se festejar o Natal de forma pagã:

Eu tenho ódio a suas festas,Seus encontros festivos me dão repugnância.Que o direito jorre em poderosos eflúviosQue a justiça seja uma torrente inesgotável! (Amós 5, 21-24).

Isso quer dizer que o Deus de Natal não gosta do Papai Noel, na medida em que esse Papai costuma representar um sistema de extorsão das finanças populares em troca de bugigangas (nos shoppings e no comércio em geral), além de esbanjar riqueza. Se o Papai Noel do Shopping for gentil com as crianças, ainda bem (alguns são de uma ternura comovente). Mas o Papai Noel da grande propaganda comercial não passa pelo crivo do Natal cristão. De minha parte, desejo a vocês uma ceia de Natal um tanto ‘desordenada’, ou seja, que fuja de alguma forma ao padrão capitalista.

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