terça-feira, 16 de abril de 2013

Dom Cláudio Hummes fala da afinidade do Papa Francisco com a Teologia da Libertação


A Igreja não funciona mais, afirma Dom Claudio Hummes, Arcebispo Emérito de SP

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Apontado como o cardeal brasileiro mais próximo do novo papa, dom Claudio Hummes, 78, diz que a igreja "não funciona" do jeito que está e pede mudanças em toda sua estrutura.
Na sua apresentação ao mundo, Francisco convidou dom Cláudio, arcebispo emérito de São Paulo, a ficar do seu lado no balcão da basílica de São Pedro.
Emocionado com o convite e com a homenagem ao fundador de sua ordem, o franciscano d. Cláudio disse à Folha que a escolha do nome é por si só uma encíclica.
O ex-bispo de Santo André disse ainda que as acusações de que o novo papa colaborou com a ditadura militar argentina são "grande equívoco, senão uma falsificação".
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Folha - O sr. foi convidado pelo papa Francisco a estar ao seu lado na primeira aparição. Como é a relação entre vocês?

D.Claudio Hummes - Nós nos conhecemos de tantas oportunidades, porque fui arcebispo de São Paulo, e ele, arcebispo de Buenos Aires. Mas sobretudo foi em Aparecida (SP) onde estivemos mais tempo trabalhando juntos, na 5ª Conferência Latino-americana, em 2007. Existia ali a comissão da redação, a mais importante porque ali que se formulava o documento para depois ser votado. Ele era o presidente, e eu, um dos membros. Admirei muito a sua sabedoria, serenidade, santidade divina, espiritualidade. Muito lúcido e muito pastoral, grande zelo missionário, de querer que a igreja seja mais evangelizadora, mais aberta.

Como foi o convite para o balcão?

Quando se começou a organizar a procissão da Capela Sistina para o balcão na praça, ele chamou o cardeal Vallini, que faz as vezes do bispo de Roma, o vigário da cidade, e me chamou também. Disse: "D.Cláudio, vem você também, fica comigo neste momento". Disse até: "Busca o teu barrete [chapéu eclesiástico]", bem informalmente. Fui lá buscar o meu barrete e estava todo feliz....
Porque não é o costume, quem vai junto são os cerimonários, nunca tem cardeais com o papa, eles estão nos outros balcões. E o fato de que ele nos convidou acabou rompendo um monte de rituais. Mas foi realmente, para mim, muito gratificante. E também pelo fato de ele ter recém-escolhido o nome de Francisco. Eu sou franciscano, então isso me envolvia muito pessoalmente.

Como o sr. interpreta esse gesto?

Como um gesto pessoal dele, muito espontâneo, muito simples. Não sei quais os significados que ele queria dar. Eu digo que fiquei muito feliz, estava ali com o primeiro papa chamado Francisco.
O papa recusou a limusine, foi pagar a conta do hotel....
São gestos simples, mas que mostram quem ele é e como ele vê as coisas. A minha maravilha foi que esses gestos foram compreendidos pelo povo simples e pela mídia. A mídia também interpretou esplendidamente, entendeu as mensagens que o papa queria dizer.

Qual é o significado de ter um papa de fora da Europa depois de mais mil anos e além disso latino-americano?

Os outros papas que não foram exatamente europeus vinham da região do Mediterrâneo. Nesse sentido, era a Europa da época, era uma grande realidade geopolítica.
Mas o fato de que hoje venha um papa de fora da Europa tem um significado muito grande porque mostra o que a igreja sempre tem dito: a igreja é universal, para a humanidade. Não é para a Europa.
Ter um papa é o sinal maior. É o gesto de dizer: o papa pode vir de qualquer parte do mundo.
Também acho importante que tenha vindo da periferia ainda pobre, emergente. Isso é uma confirmação para todos os católicos de lá: "Nós temos um papa que vem daqui".
E não só para os católicos, até os países se sentem muito mais em pé de igualdade com os outros.

São Francisco também é lembrado pela missão de reformar a igreja como um todo. A escolha do nome também tem essa abrangência?

Certamente, para o papa, o nome é todo esse programa. Hoje, a igreja precisa, de fato, de uma reforma em todas as suas estruturas. Organizar a vida da igreja, a Cúria Romana, que tanto se falou e que precisa urgente e estruturalmente ser reformada, isso é pacífico entre nós. Porém uma coisa é entender que precisa ser feito e outra coisa é fazê-lo.
Será uma obra gigantesca. Não porque seja uma estrutura gigantesca, mas por um mundo de dificuldades que há dentro de uma estrutura como essa, que foi crescendo nos últimos séculos.
Alguém disse já que a escolha do nome Francisco já é uma encíclica [mensagens do papa à igreja], não precisa nem escrever. Isso é muito bonito, é muito promissor.

Em que sentido a reforma é necessária?

Não é só da Cúria, são muitas outras coisas: o nosso jeito de fazer missa, de fazer evangelização, essa nova evangelização precisa de novos métodos. O papa falou no encontro com os cardeais sobre novos métodos, nós precisamos encontrar novos métodos.
Mas se falou sobretudo da Cúria Romana, que precisa ser reformada estruturalmente. É muito grande, mas tudo isso precisa de um estudo, a gente não tem muitas coordenadas.
Muitos dizem que é grande demais, que foi feito um puxadinho aqui, um puxadinho lá,mais uma sala aqui, mais uma comissão lá, mas essa aqui não tem suficiente prestígio.... Essas coisas todas que acontecem numa estrutura dessas.
A igreja não funciona mais. Toda essa questão que aconteceu ultimamente mostra como ela não funciona. E depois, uma vez feito esse novo desenho, você tem de procurar as pessoas adaptadas para ocuparem esses cargos, esses serviços.

Reza a lenda de que o papa Francisco não gosta de vir a Roma, que sua formação foi longe daqui. Isso contribuiu para a sua escolha?

Não sei se contribui para a sua escolha, mas contribui agora, que ele é papa, a ser mais independente, a ser uma visão mais objetiva. É muito diferente ver um jogo da arquibancada e ver um jogo jogando futebol. Ele não jogou futebol. Vai ajudar, certamente.
Mas ele também vai ouvir pessoas que jogaram, porque é importante ouvir do jogador como ele viu o jogo e quais são as necessidades dentro da forma como se joga.

Continuando a metáfora, o sr. jogou aqui por quatro anos e já foi convocado por ele. O que o sr. pode dizer a ele sobre o que precisa ser feito?

Se um dia me perguntarem sobre isso... Claro, todos nós já falamos sobre isso nas congregações gerais [reuniões pré-conclave], em que ele estava presente. E estamos disponíveis sempre pra ajudar e precisamos ajudar. Os cardeais são o conselho que deve ajudar o papa.

Há relatos na imprensa argentina sobre o envolvimento --por omissão ou colaboração-- do papa Francisco com a ditadura militar. O que tem sr. pode falar sobre isso?

Certamente, isso não é real. Pode ser que alguém tenha se equivocado em certos discernimentos, mas conhecendo toda a pessoa dele.... Não conheço os detalhes, mas, conhecendo a pessoa, nem é possível imaginar isso. Ele é um homem extremamente dos pobres, dos direitos da gente, dos mais simples, dos mais oprimidos, dos mais humilhados, ele é um exemplo de defesa, de estar junto dos pobres.... É inimaginável. Tenho certeza de que tudo isso de fato é um grande equívoco, senão uma falsificação.

A igreja no Brasil, incluindo o sr., teve um papel muito importante na defesa dos direitos humanos durante a ditadura. Como isso se deu na Argentina, sem levar em conta o papa Francisco?

As igrejas pelo mundo afora tiveram as suas próprias avaliações e seu próprio modo de ser. Não me sinto autorizado para fazer um juízo sobre a igreja nesse ou naquele país.

Fala-se muito que a herança da Teologia da Libertação para a igreja na América Latina é o discurso em favor dos pobres. No caso do papa Francisco, qual é a relação dele com esse movimento?

Basta olhar como ele foi arcebispo em Buenos Aires e o documento de Aparecida, que diz tudo isso. Ele está nessa linha, certamente. Se a gente quer descobrir qual é a linha dele de pastoral social, de relação com os pobres, nós vamos encontrá-lo lá, sim.
A Teologia da Libertação foi uma fase histórica que, obviamente, tem essa questão da consciência que temos dos pobres e da necessidade de sermos solidários em termos construtivos da justiça social. Tudo isso a Teologia da Libertação também reforçou.
Eu acho que hoje, se a gente quer ver como as pessoas se relacionam com esse passado, é preciso olhar os documentos de hoje. Senão, você começa a transportar o passado, que não é mais uma resposta para hoje. O mundo já mudou, e as respostas são diferenciadas.

A primeira viagem do papa deve ser ao Brasil, onde a igreja enfrenta desafios muito grandes, como a evasão de jovens e o avanço das igrejas neopentecostais. O sr. tem uma ideia do que o papa pretende orientar sobre o futuro da igreja no país?

Ainda não transpirou nada sobre as mensagens que ele vai levar, mas a gente sabe, tem certeza de que ele vai falar, em primeiro lugar, da importância dos jovens, de que devemos estar do lado dele, devemos ser compreensíveis. Ele quer que a igreja seja compreensiva, misericordiosa, saiba caminhar juntos e que isso é um percurso que tem de fazer, não se pode exigir que amanhã alguém já seja um cristão perfeito. É um caminho, um processo.
É dar a certeza aos jovens de que a igreja os entende e quer acompanhá-los e também quer mostrar a luz. Quer dizer: "Prestem atenção, existe, sim, um sentido para a vida, existe alguém pelo qual vale a pena viver e dar a vida. Há alguém, que é Jesus Cristo, ele é uma luz que vocês deveriam seguir." Isto é, não deixar de mostrar o caminho, mas, ao mesmo tempo, ser compreensivo de onde o jovem ainda está nesse caminho.
E depois a nova evangelização certamente será um outro tema forte dele.

Desde o Concílio Vaticano 2º, há um grande esforço para o diálogo interreligioso, principalmente com as religiões mais antigas. No caso da América Latina, como é o diálogo neste momento entre a igreja e o neopentecostalismo, que não para de crescer?

O diálogo ecumênico com as outras igrejas cristãs não católicas existe de forma muito forte, sobretudo a partir do Concílio Vaticano 2º. Com as grandes igrejas: ortodoxa, oriental, as igrejas protestantes de origem luterana, calvinistas, que são igrejas históricas. Mesmo com o judaísmo, há um grande diálogo. E também com o islamismo, mas isso é outro setor porque, para eles, Jesus Cristo não é como para nós cristãos. Esse diálogo é lento, mas vai caminhando.
Com as igrejas neopentecostais, onde existe muito uma teologia da prosperidade, se dá muito acento ao exorcismo, ao dízimo e coisas assim, elas se diferenciam das igrejas pentecostais. Mas tanto uma com a outra são muito semelhantes. Com elas, é mais difícil, porque muitas delas simplesmente não aceitam o diálogo, mesmo se nós quiséssemos dialogar. Porque não aceitam pensar numa unidade um dia. E muitas vezes são agressivamente anticatólicas, então é muito complicado.

O sr. já é emérito, mas vai ficar no Vaticano em alguma função?

Não, não, eu vou ficar aqui até o dia 22, vou participar da cerimônia pública religiosa e vou participar de uma reunião no dia 21. E aí volto para os meus trabalhos.

Há relatos na imprensa italiana de que o sr. contribuiu durante o conclave para eleger o papa Francisco. O sr. confirma?

Tudo o que aconteceu dentro do conclave, eu não posso falar.

Voltando ao seu trabalho na cúria, de 2006 a 2010, na Congregação para o Clero, houve uma entrevista em que o sr. falava que o celibato era uma questão disciplinar e que, por isso, estava aberto à discussão. O sr. teria sofrido uma reprimenda quando chegou ao Vaticano. Está na hora de questões como celibato e a ordenação de mulheres serem menos ortodoxas?

Isso de reprimenda, você é quem está dizendo. Eu apenas digo que todas essas questões, todos esses desafios hoje, grandes questões que estão aí em aberto, a igreja não se fecha a discutir aquilo que é necessário ser discutido, ser aprofundado. E isso significa uma igreja capaz de dialogar, capaz de ouvir, capaz de aprofundar, discutir e procurar caminhos. É o que ela vai fazer, certamente.
E esse papa é muito aberto a ouvir. Ele mesmo disse que quer ouvir o mundo, e não só os cardeais e os bispos.
Fomte: Folha SP   -    www.rainhamaria.com.br

domingo, 14 de abril de 2013

Veja e Época pisam no tomate



Por Altamiro Borges 

A mídia nativa cada dia se parece mais com um partido político. Ela atua com direção centralizada, aciona os seus quadros (“calunistas”) e dá farta munição para sua militância (leitores direitistas). No caso da atual cruzada pela alta dos juros, sua ação é exemplar. No final de semana, as duas principais revistonas da oposição estamparam quase a mesma capa. “Dilma pisou no tomate” (Veja); “Governo pisou no tomate” (Época). Nos jornalões, o assunto também foi manchete durante a semana. Já nas tevês, a artilharia é ainda mais massiva.

Mesmo com as recentes notícias sobre a queda do preço do tomate, as revistonas mantiveram o ataque ao novo perigo vermelho, que ameaça levar o país ao caos inflacionário. Neste sentido, como ironizou o sítio Brasil-247, elas podem repetir a famosa burrada do “boimate”. Eurípedes Alcântara, diretor de redação da Veja, ficou famoso em 1984 ao acreditar numa piada de primeiro de abril sobre o cruzamento genético entre o boi e o tomate. Ele produziu uma das maiores “barrigas” da mídia brasileira e virou motivo de chacota.

Agora, a revista Veja volta a pisar no tomate, desta vez para atacar o governo Dilma. Na Carta ao Leitor, o mesmo Eurípides “boimate” Alcântara afirma que a presidenta “pode afundar o Brasil”. A receita é direta: “Com a inflação não tem conversa. Ela só entende uma coisa: aumento dos juros, corte de gastos e aperto no crédito – todas medidas impopulares”. Como recomenda o Brasil-247, “sobre Veja, Eurípedes e seu segundo Boimate, nada a fazer a não ser atirar tomates na publicação. Que, aliás, já estão bem mais baratos”.

Já a Época, da bilionária famiglia Marinho, também sataniza o governo. Num jogo combinado, ela cita a “cansada” Ana Maria Braga. “’Estou usando uma joia’. Com essa frase, a apresentadora apresentou o colar de tomates de seu figurino no programa da quarta-feira. Foi apenas uma das muitas piadas que pipocaram ao longo da semana sobre o mais novo símbolo da inflação. Numa piada da internet, a atriz Claudia Raia, chefe de uma quadrilha de prostituição na novela das 9, diz que mudará de ramo e traficará tomates”.

Como se observa, o ataque é virulento. Ele tem dois objetivos: o primeiro é político, o de desgastar o governo na véspera de uma nova campanha sucessória; o segundo é econômico, o de defender os lucros dos agiotas financeiros. A mídia rentista não vacila em brigar por seus próprios negócios. A questão principal no momento é saber se o governo Dilma vai recuar diante de tamanha pressão. Uma notinha na Folha de hoje (14) pode indicar que a presidenta ainda não se intimidou diante desta campanha terrorista:

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PAINEL

VERA MAGALHÃES - painel@uol.com.br

Ansiolítico eleitoral

Apesar do recuo no consumo em supermercados e do estouro da meta da inflação, a previsão compartilhada por ala expressiva da equipe econômica do governo é a de que o índice de preços ceda em até um ponto percentual até setembro. A análise tem sido usada no Planalto para tranquilizar os que temem impacto da crise na campanha de Dilma Rousseff. Auxiliares da presidente entendem que os produtos sazonais, caso do tomate, representam 60% da alta dos últimos meses.

O otimismo é tamanho que governistas catalogam declarações dos presidenciáveis sobre economia. Falas sobre risco de "desemprego" e "inflação" serão usadas para acusar Aécio Neves e Eduardo Campos de "torcer contra o país".

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A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central ocorre nesta semana. Nela será possível analisar qual o poder de interferência da mídia nos rumos econômicos do país. Quem pisará no tomate? As revistas Veja e Época com as suas manchetes terroristas? Ou o governo Dilma, aceitando a pressão terrorista dos rentistas? A conferir!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Brasil que a ditadura nos roubou



http://pigimprensagolpista.blogspot.com.br/
Por Cynara Menezes, no blogSocialista Morena:

Revolta. Tristeza. Náusea. É o mínimo que se pode dizer da sensação que causa no espectador o documentário O Dia Que Durou 21 Anos, de Camilo Tavares, em cartaz nos cinemas brasileiros. Revolta e tristeza por constatar que, com o golpe, nos roubaram um projeto de país, um futuro. Náusea por conhecer mais a fundo o papel que os Estados Unidos tiveram na derrubada de João Goulart, muito além da teoria da conspiração e da paranóia.

Camilo é filho do jornalista Flávio Tavares, um dos presos trocados pelo embaixador norte-americano Charles Elbrick, sequestrado pelos guerrilheiros da ALN (Ação Libertadora Nacional) e MR-8 em 1969. Sua principal façanha como diretor foi a obtenção de documentos e áudios inéditos que comprovam a participação ativa dos EUA no golpe militar durante o governo John Kennedy e, depois de seu assassinato, com Lyndon Johnson no poder. Particularmente nauseante é a intervenção do embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, e seu cinismo ao reconhecer oficialmente o governo militar no dia seguinte ao golpe.

Além de tramar, espionar e conspirar para derrubar o presidente de outro país, algo inadmissível para um “diplomata”, Gordon é o responsável pela crença, disseminada até hoje pelas carpideiras da ditadura, de que Jango pretendia transformar o Brasil em Cuba, em um país comunista. Uma mentira histórica tão absurda quanto chamar os guerrilheiros de “terroristas”, como insiste a direita fascista brasileira, incapaz de discernir terrorismo de Estado de reação cívica à ditadura. Propositalmente, para enganar jovens com pouca leitura e desinteressados em conhecer a verdade.

A certa altura do documentário, o líder do PTB então, deputado Bocayuva Cunha, esclarece com todas as letras: “Revolução comunista só existe na cabeça e na estupidez de certa elite brasileira”. O que Jango queria era transformar o País, e tinha apoio popular para isso. Suas reformas de base incluíam a reforma bancária, fiscal, administrativa, educacional e agrária. Jango defendia ainda medidas nacionalistas, que desataram a ira dos EUA, histéricos por proteger os lucrativos negócios de suas empresas no Brasil. A intenção de realizar uma profunda reforma agrária, por sua vez, descontentou os grandes donos de terras. Os mesmos ruralistas que hoje em dia volta e meia se associam aos líderes evangélicos no Congresso em defesa de bandeiras arcaicas e anti-democráticas. Gentalha da pior espécie.

O que seria do Brasil se Jango pudesse ter feito suas reformas de base? Se, já naquela época, a questão da terra tivesse sido resolvida, com o fim dos latifúndios? Se a educação tivesse dado um salto qualitativo? Seríamos a republiqueta de bananas em que o golpe nos transformou durante 21 anos, a mais longa ditadura militar da América Latina? Teríamos os problemas educacionais e de terra que ainda temos hoje? Nosso povo continuaria a ser manipulado por políticos, religiosos pilantras e pela mídia apenas por não ter estudado como deveria? Nosso ensino público teria sido sucateado para que gerações inteiras fossem impedidas de pensar?

Na sessão em que estive, o filme de Camilo Tavares foi aplaudido ao final. Merece mesmo aplausos. E lágrimas. E raiva. E saudade do que não fomos. Vá e leve seus filhos.

domingo, 7 de abril de 2013

150 líderes evangélicos rejeitam publicamente Marco Feliciano

marco-feliciano-evangelico

Mais de 150 lideranças evangélicas assinam documento pedindo a saída de Marco Feliciano da presidência da CDHM. Pastor da Igreja Batista desabafa: "ele não representa os direitos humanos e a minoria"
A nomeação do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados continua rendendo críticas pelo Brasil. Na última terça-feira, mais de 150 lideranças evangélicas pediram a substituição do pastor por um parlamentar mais "familiarizado" com o tema. A petição que pede a saída do pastor da CDH já conta com quase 500 mil assinaturas (se ainda não assinou, assine aqui)
A Rede Fale pede aos deputados evangélicos da comissão – que, segundo o coletivo, são 12 dos 18 membros – que indiquem um novo nome. "Entendemos que este momento representa uma oportunidade concreta para a promoção e a defesa dos direitos dos mais vulneráveis e das minorias", informou em nota.
No domingo, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), que integra as igrejas Católica Apostólica Romana, Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Sirian Ortodoxa de Antioquia e Presbiteriana Unida, também divulgou nota de repúdio à eleição de Feliciano.
Entre os signatários do novo documento, estão pastores de igrejas como a Presbiteriana, a Batista e a Assembleia de Deus, da qual o deputado paulista faz parte. Assinam a nota, entre outros, o pastor Antonio Carlos Costa, do Rio de Paz; o bispo primaz da Igreja Anglicana Mauricio Andrade; e o pastor batista Ariovaldo Ramos, presidente da Visão Mundial.
A Rede Fale é composta por 12 organizações evangélicas e 33 grupos locais, de 17 estados brasileiros. Segundo os coordenadores do movimento, trata-se de uma rede de orientação cristã que busca, há mais de dez anos, unir indivíduos e organizações para orar e agir contra as injustiças sociais.
Em entrevista à revista Fórum, o pastor da Igreja Batista Marcos Dornel teceu críticas ao parlamentar e pediu como representante “alguém que tenha histórico de luta com direitos humanos, que conheça o que foi a tortura no Brasil, saiba o que é trabalho escarvo, entenda que existe tráfico de pessoas, enfim, que tenha lutado por pautas da área de direitos humanos.”
Como o senhor viu a eleição de Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados?
Marcos Dornel – Foi uma forçada de barra, tinha que colocar alguém do PSC e acharam o pior nome. Fizeram uma reunião entre os evangélicos do partido, e o nome mais forte era o dele. Não vejo com bons olhos essa nomeação, as polêmicas causadas por ele nos prejudicaram. Estamos colocando em xeque, por causa de um cara que não tem histórico de luta pelos direitos humanos, toda uma nação, que é a nação evangélica.
A minha vocação para ser pastor me mostra que tenho que olhar para as minorias, e Feliciano é midiático e alegórico, muito vaidoso, faz até chapinha no cabelo. Deveria cuidar do rebanho e menos da política.
Segundo Feliciano, uma “maldição recai sobre a África”. Em sua interpretação da Bíblia, como o senhor vê essa afirmação?
Marcos Dornel – Nós, teólogos, estamos nos revirando, porque em nenhum momento na Bíblia Deus joga uma maldição sobre uma raça ou um povo. Essa frase foi uma infelicidade do Feliciano. A própria palavra diz que todo aquele que crê em Deus é abençoado. A Bíblia diz que tudo que Deus criou é bom, então, se tudo é bom, todas as raças são boas. Você dizer que uma raça é amaldiçoada é uma besteira. Ele foi infeliz.
Mais de 150 lideranças assinaram uma carta de repúdio ao Feliciano, o senhor concorda?
Marcos Dornel – Eu me incluo nessa faixa de rejeição ao nome dele como presidente, nós estamos repudiando esse cara. A comissão deve ser presidida por alguém com histórico de luta pelos direitos humanos, que conheça o que foi a tortura no Brasil, saiba o que é trabalho escravo, entenda que existe tráfico de pessoas, enfim, que tenha lutado por pautas da área de direitos humanos. Não sou contra porque ele é um líder religioso, mas sim porque ele não tem qualquer experiência no assunto. Marco Feliciano não representa as minorias. Aliás, se existe uma diferença entre elite e pobres na igreja, o Feliciano representa essa elite.
Há, no discurso do Marco Feliciano, uma deturpação dos valores da Bíblia?
Marcos Dornel – Olho para o Felicano e vejo um pastor que só prega sobre prosperidade. Jesus ensinou para nós que mais importante é ser, o Marco prega que devemos ter. Pregamos uma igreja que reparte, a igreja do comum, é a igreja que Jesus diz: “Se você tem dois quilos de arroz, dê um a quem não tem”, é uma igreja que está ao lado das minorias. Os direitos humanos não tem que defender o pobre por ele se pobre, mas sim por ele ter dignidade humana, é isso que a Bíblia prega. Um cara que prega que só é próspero quem tem casa na praia, tem o carro do ano, isso não é direitos humanos, isso é direito de quem tem.
O senhor acredita que esse fato possa estimular o preconceito contra os evangélicos?
Marcos Dornel – Nunca tivemos a oportunidade de debate nesse país, podemos, hoje, mostrar o que Cristo nos pregou. Agora, com esse cidadão na presidência, tudo pode se voltar para trás, porque todo o trabalho de igrejas evangélicas vai por água baixo. Estamos vendo uma mini-guerra religiosa no meio das igreja evangélicas, já estamos desgastados por conta desses pastores midiáticos. Ressalto, não é por ele ser evangélico, mas é que ele não representa os direitos humanos e as minorias.

sábado, 6 de abril de 2013

Gesto corajoso de Daniela Mercury quebra um tabu



Ricardo Kotscho, Balaio do Kotscho

“Quem está saindo com quem, quem comeu quem, quem se casou ou se separou de quem, quem anda traindo quem, quem está apaixonado por quem?
Quem ainda se interessa por isso?

Muita, muita gente, a contar pelo número de revistas e colunas eletrônicas dedicadas ao que chamam de "mundo das celebridades", que vivem de fuxicos, fofocas e futricas sobre personagens chamados de famosos.

É como se um batalhão de espiões e "paparazzis" passasse o tempo todo olhando pelos buracos das fechaduras da intimidade dos artistas para descobrir algo que eles estão querendo esconder.

Trata-se de uma fobia universal que movimenta muito dinheiro e alimenta as conversas em salões de beleza, escritórios, feiras-livres, tablóides ingleses, botecos nativos e até em casamentos de bacanas.

"Você viu???", perguntam-se uns aos outros para mostrar seu conhecimento sobre as últimas revelações "exclusivas" divulgadas pelos fofoqueiros de plantão.

Pois é exatamente neste clima de celebração da futilidade em torno da vida alheia, que está a grandeza do gesto da cantora Daniela Mercury, 48 anos, cinco filhos, que esta semana anunciou seu casamento com a jornalista Malu Verçosa, de 36, editora-chefe do telejornal "Bahia Meio Dia".

Daniela não esperou que a fofoca se alastrasse, tirando o pão da boca de quem vive disso, e tomou ela mesma a iniciativa de, em vez de desmentir, publicar nas redes sociais a história do seu novo amor, com direito a fotos do álbum de casamento.Virou o assunto da semana.

Desta forma, ao quebrar um velho tabú, a grande dama da música baiana, que já vendeu mais de 11 milhões de discos em todo o mundo, saiu do submundo da futricagem para ganhar as manchetes da chamada imprensa séria e dos principais telejornais.

Quando o último carnaval começou, as duas estavam casadas: Daniela, com o publicitário italiano Marco Scabia, seu terceiro marido, e Malu, com a jornalista Fabiana Catro, que por sete anos cuidava da carreira da cantora.

Flagradas aos beijos em meio à folia, Daniela e Malu descobriram que estavam apaixonadas, e não viam motivos para esconder em público o que sentiam uma pela outra, no mesmo momento em que esquentava no país o debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Logo cedo, na manhã de quarta-feira, Daniela postou pelo Instagram uma bela declaração de amor a Malu, acompanhada de fotos em quer as duas aparecem juntas com cara de apaixonadas.

"Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração pra cantar", escreveu Daniela, sem esconder as palavras dos sentimentos.

E explicou assim seu gesto de coragem: "Comuniquei meu casamento com Malu para tratar com a mesma naturalidade que tratei de outras relaçoes. É uma postura afirmativa da minha liberdade e uma forma de mostrar minha visão de mundo".

Naturalidade e liberdade são as palavras-chave da decisão tomada pela cantora para tornar pública a sua relação _ e este será um dia direito de todos.

Mais do que mil manifestos, protestos e abaixo-assinados, são atitudes como a de Daniela Mercury que vão tornando o mundo mais civilizado e contemporâneo da época em que vivemos, acima de dogmas, pecados, proibições, e todo o arsenal de intolerância que ainda mantém boa parte das pessoas nas trevas da idade média.

Chamada de "Madonna Brasileira" pela CNN Internacional, Daniela ficou estes dias longe do barulho e do espanto que provocou em muita gente. Está fazendo shows em Portugal e só deve voltar ao Brasil na próxima semana.

Que as grandes e belas mulheres brasileiras Daniela Mercury e Malu Verçosa sejam muito, muito felizes!”

Boff: Francisco se fez nu para cobrir a nudez do Papa


Sabem os historiadores que o Papa do tempo de São Francisco, Inocêncio III (1198-1216), levara o Papado a um apogeu e esplendor como nunca antes na história eclesiástica. Hábil político, conseguiu que todos os reis, imperadores e senhores feudais, a exceção de apenas alguns, fossem  seus vassalos. Sob a sua regência estavam os dois poderes supremos: o Império e o Sacerdócio. Era pouco ser sucessor do pescador Pedro. Declarou-se “representante de Cristo”, não do Cristo pobre, andando pelas poeirentas estradas da Palestina, profeta peregrino, anunciador de uma radical utopia, a do Reino do amor incondicional ao próximo e a Deus,  da justiça universal, da fraternidade sem fronteiras e da compaixão sem  limites. Seu Cristo é oPantocrator, o  Senhor do Universo, cabeça da Igreja e do Cosmos, o Rei universal.
Esta visão exaltatória favoreceu a construção de uma Igreja monárquica, poderosa e rica mas absolutamente secularizada, contrária a tudo o que é evangélico. Tal realidade só podia provocar uma reação contrária entre o povo. Surgiram os movimentos pauperistas, de pobres e de leigos ricos que se faziam pobres. Por sua conta pregavam o evangelho na língua popular: o evangelho da pobreza contra o fausto das cortes, da simplicidade radical contra a sofisticação dos palácios, da adoração do Cristo de Belém e da Crucificação contra a exaltação do Cristo Rei todo poderoso. Eram os albigentes, os valdenses, os pobres de Lyon, o seguidores de Francisco, de Domingos e dos sete Servos de Maria de Florença, nobres que se fizeram mendicantes.
Apesar deste fausto, Inocêncio III foi sensível a Francisco e aos doze companheiros que o visitaram, esfarrapados, em seu palácio em Roma, pedindo licença para viverem segundo o Evangelho. Comovido e com remorsos, o Papa lhes concedeu uma licença oral. Corria o ano 1209. Francisco nunca esquecerá este gesto generoso do Papa imperial.
Mas a história dá as suas voltas. O que é verdadeiro e imperativo, chegado o momento de sua maturação, se revela com uma força vulcânica.  Tal se revelou em 1216 em Perúgia para onde fora o Papa Inocêncio III a um de seus palácios.
Eis que ele morre subitamente, depois de 18 anos de pontificado triunfante. Logo sons lúgubres de canto gregoriano se fazem ouvir, vindos da catedral pontifícia. Executa-se o grave planctum super Innocentium (“o pranto sobre Inocêncio”).
Mas nada detém a morte, senhora de todas as vaidades, de toda a pompa, de toda glória e de todo o triunfo. O esquife do Papa jaz à frente do altar-mr: coberto de ouropéis, joias, ouro, prata e os signos do duplo poder sagrado e secular. Cardeais, imperadores, príncipes, abades, lomgasfilas de fiéis se sucedem na vigília. É o bispo Jacques de Vitry vindo de Namur e depois feito Cardeal de Frascati que o conta.
É meia-noite.  Todos se retiram pesarosos. Apenas o bruxulear das velas acesas projetam fantasmas nas paredes. O Papa, outrora, sempre cercado por nobres, está agora só com as trevas. Eis que ladrões penetram sorrateiramente na catedral. Em poucos minutos espoliam seu cadáver de todas as vestes preciosas, do ouro, da prata e das insígnias papais.
Aí jaz um corpo desnudo, já quase em decomposição. Realiza-se o que Inocêncio deixara exarado num famoso texto sobre “a miséria da condição humana”. Agora ela é demonstrada com toda a sua crueza em sua própria condiçãoo.
Um pobrezinho, fétido e miserável, se escondera num canto escuro da catedral para vigiar, rezar e passar a noite junto ao Papa que lhe aprovara seu modo de vida pobre. Ele tirou  a túnica rota e suja, túnica de penitência. E com ela cobriu as vergonhas do  cadáver violado.Era Francisco de Assis.
Sinistro destino da riqueza, grandiosidade do gesto da  pobreza. A primeira não o salvou do saque, a segunda o salvou da vergonha.
Concluíu o Cardeal Jacques de Vitry: ”Entrei na igreja e me dei conta, com plena fé, quanto é breve a glória enganadora deste mundo”
Aquele que todos chamavam de Poverello e de Fratello nada disse nem pensou. Apenas fez. Ficou nu para cobrir o nu do Papa que um dia mostrou compreensão por sua decisão de viver segundo o evangelho da pobreza radical. Esse Francisco de Assis emerge como fonte inspiradora de Francisco de Roma,o bispo da cidade e Papa.

Leonardo Boff é autor do livro Francisco de Assis: ternura e vigor (Vozes) 1999.