Mair Pena Neto
Do site Direto da Redação
Um avanço no sistema educacional brasileiro, tanto por usar uma metodologia avançada quanto por democratizar o acesso ao ensino superior, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem sua credibilidade ameaçada pelos sucessivos erros que aconteceram nos últimos três anos e pela maneira como algumas escolas o encaram. Mas as críticas generalizadas não costumam levar em conta a diferença entre os problemas ocorridos a cada ano e precisam ser rebatidas em nome da preservação de uma conquista apoiada pela grande maioria dos educadores.
Me sinto confortável para fazer esta defesa por ter dois filhos que fizeram o Enem nos últimos três anos e sofreram as angústias da possibilidade de anulação do exame, que se repete agora, com uma decisão judicial de cancelar as provas nacionalmente por conta do vazamento de 13 questões aparentemente circunscritas a um local do país. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo Enem, vai recorrer por acreditar que o que aconteceu foi uma situação isolada.
Em primeiro lugar, é preciso levar em conta a magnitude no Enem. O exame vem crescendo ano a ano, e, nesta edição, atingiu 5 milhões de estudantes. Não existe similar no mundo. Dentro de um universo tão amplo, o problema ocorrido agora poderia ser considerado dentro da margem de erro, mas isso não diminui a preocupação que o ministério da Educação deve ter com a segurança do exame.
A sequência de problemas transformou o ministério em vidraça, mas é preciso conhecer cada caso para fazer um julgamento justo. Em entrevista recente para o programa Roda Viva, o ministro Fernando Haddad colocou as coisas em seus devidos lugares, e provou que os problemas ocorreram muito mais no setor privado do que no setor público.
Em 2009, primeiro ano em que o Enem passou a servir de acesso às universidades públicas, o MEC contratou para imprimir as provas a maior gráfica da América Latina, que pertence ao Grupo Folha e, inclusive, imprime a Folha de S.Paulo. A gráfica ofereceu todas as garantias de segurança para a impressão de nove milhões de exemplares e, quando houve o vazamento para o jornal O Estado de S.Paulo, negou que o problema pudesse ter ocorrido em suas instalações. Mas o inquérito posterior provou que a prova foi roubada do interior da gráfica por um grupo que tentou vendê-la ao Estadão.
O vazamento foi um golpe quase fatal para o Enem, mas o Inep, como destacou Haddad, foi capaz de reaplicar a prova em 60 dias, num tremendo esforço de logística que salvou o exame e preservou os estudantes. O problema de segurança verificado no primeiro ano não se repetiu mais da mesma forma.
Em 2010, o que aconteceu foi um erro de impressão em um dos lotes de provas. A falha atingiu 0,1% dos estudantes e foi prontamente assumida pela nova gráfica contratada, a RR Donnelley que custeou a reaplicação da prova para os estudantes prejudicados. Assim como agora, houve tentativa judicial de anulação total do exame, mas o ministério saiu vencedor e as provas só foram refeitas pelo universo prejudicado pela falha na impressão.
Para Haddad, o episódio de 2011 seria a primeira tentativa de fraude para beneficiar determinado grupo de estudantes ou uma instituição, como parece ser o caso. O pré-teste, feito para determinar o peso que cada questão terá na prova, foi, aparentemente, apropriado por uma escola particular de Fortaleza, e 13 questões aproveitadas no exame já eram do conhecimento de seus alunos. O caso é da maior gravidade, pois não envolve um grupo criminoso em busca de ganhos financeiros, mas uma instituição de ensino ou pessoas ligadas a ela. Como observou Haddad, no Roda Viva, “se você não puder contar com os educadores para um projeto educacional, vai contar com quem?”
É aí que entra um segundo aspecto crítico que o ministério terá que resolver. O aumento de importância do Enem levou escolas privadas a tratá-lo como elemento de marketing, deturpando o papel do ensino. Várias instituições passaram a montar turmas só com os “melhores” alunos para obter bons resultados e depois propagandeá-los nos jornais.
Uma conseqüência nefasta do Enem foi a montagem de rankings das escolas, que contraria os princípios educacionais. Uma saída seria a não divulgação das notas das escolas, que serviriam apenas como mecanismo interno de controle, por parte do ministério, da qualidade das instituições. Sem isso, episódios lamentáveis como o do Colégio Christus, de Fortaleza, tendem a se repetir. E uma boa idéia como o Enem não pode se perder por conta da ambição de algumas instituições de terem as melhores notas do exame.
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