sábado, 24 de novembro de 2012

Inversão de valores

 

Marcos Carneiro (foto), ex-diretor da Polícia Civil de São Paulo, suspeita que homicídios em São Paulo são praticados por policiais.
A maior fomentadora de corrupção, a maior violentadora dos princípios éticos mais básicos, no Brasil, é a nossa mídia. Reacionária, corrupta, aética, manipuladora. A nossa mídia não apenas apoiou o golpe militar, ela foi a sua principal articuladora. Reuniões entre golpistas aconteciam em escritórios do Estadão, e Folha e Globo emprestavam suas páginas para todo tipo de diatribe pró-golpista, como foram as manifestações “populares” contra o governo João Goulart, que foram financiadas com dinheiro público, pelos governadores de São Paulo, Minas e Rio, aliados dos jornalões. E foi a ditadura que destruiu a estrutura mínima de combate à corrupção que vinha sendo construída no Brasil desde que Getúlio Vargas instituiu concursos públicos, dentre outras medidas saneadoras.
Tribunais de contas, judiciário independente, auditorias internas, polícia orientada pra combater crimes de colarinho branco, todo o sistema de contrapesos, toda a máquina de investigação, foi desmontada pela mesma ditadura que era sustentada pela grande mídia.
E durante o período democrático, mais uma vez, vimos a mídia sustentando grandes máquinas de corrupção, como foi a privataria, onde vimos a transferência irresponsável de patrimônio público para mãos de aventureiros como Daniel Dantas, estatais européias corruptas e especuladores.
A malandragem continua. Enquanto a mídia faz terrorismo financeiro, em conluio com grandes bancos privados, pra derrubar as ações da Eletrobrás, os mesmos bancos lideram as compras de papéis da estatal.
O pior, no entanto, é outra coisa. É a cumplicidade da mídia com a política de extermínio do governo de São Paulo.
Aí que entra a inversão de valores.
O chefe da polícia civil de São Paulo, Marcos Carneiro de Lima, levanta suspeitas, com base em indícios concretos (não ilações, como virou moda no STF) de que as dezenas de chacinas realizadas nos últimos meses em São Paulo vem sendo cometidas por servidores públicos do governo Alckmin.
Estamos falando de centenas de mortes, em número superior ao que acabamos de ver nos bombardeios de Israel à Faixa de Gaza. Onde estão os paladinos da ética?
A cara de pau não tem limites. Silvio Pereira ganha um Land Rover. Está errado, e merece ser punido. Mas um funcionário da prefeitura de São Paulo, responsável pelo licenciamento de imóveis na cidade, compra (compra, não ganha de presente) uns 60 apartamentos, e ninguém fica escandalizado.
No mesmo dia em que o chefe da polícia civil do estado de Sâo Paulo desnuda a existência de uma milícia fascista e homicida, que faz “justiça” com as próprias mãos, encrustrada dentro do estado, Dora Kramer, principal colunista do Estadão, faz um editorial criticando … Lula!
Não é apenas cara de pau, é safadeza. É falta de vergonha na cara. Falta de ética. Bandidagem midiática.
Não estamos falando aqui de teorias esquizóides, baseadas numa interpretação tropicalista do “domínio de fato”,
e sim na morte de centenas de pessoas, e a criação de um ambiente de extrema insegurança na região mais populosa do Brasil. Deixemos bem claro uma coisa: São Paulo, antes de pertencer a São Paulo, pertence ao Brasil. Na hierarquia dos valores republicanos, a pátria vem em primeiro lugar. Se há montagem de uma estrutura fascista em São Paulo, isso é um crime que merece atenção de todo país.
O mais alto patrimônio de um ser humano é a sua vida. E o mais alto patrimônio de um país é a vida de seus cidadãos. Se há uma onda descontrolada de homicídios em São Paulo, e se a responsabilidade por isso é do governo de São Paulo, este deve ser responsabilizado sem compaixão. Não é função da imprensa fiscalizar e criticar governos?
A corrupção é um crime hediondo. Deve ser combatido impiedosamente. Mas o crime capital sempre será o homicídio, porque só ele rouba uma coisa que não é possível recuperar jamais: a vida. Se temos o governo de São Paulo, através de sua corporação policial, envolvido em ações de extermínio e chacinas, muitas das quais tem características inclusive sociopatas, com fuzilamento aleatório de vítimas, isso é razão para criação de CPIs e impeachment.
Nem venham falar que não podemos falar em politização da tragédia. A falta de politização do problema é justamente o que tem bloqueado o surgimento de respostas consistentes. O problema da segurança pública tem de ser resolvido com inteligência, o que é um ativo que somente o bom e saudável debate político pode fornecer. As condições carcerárias em São Paulo tem de ser melhoradas. É preciso ampliar dramaticamente os programas sociais nas áreas violentas. Estabelecer parcerias verdadeiras e republicanas com todas as esferas de poder. Oferecer melhores condições de trabalho para a polícia militar e para a polícia civil.
Quando a Folha, covardemente, deixa de criticar duramente o governo de São Paulo, o PSDB, José Serra, e o coronel Talhada, que ameaçou um jornalista da própria empresa, então ela é conivente com a matança, com a corrupção, com a injustiça. Seus editoriais sobre ética escorrem para o bueiro de sua hipocrisia.
O governador Geraldo Alckmin, por sua vez, apenas intervêm no debate para confirmar sua responsabilidade. Ele diz somente platitudes idiotas, tipo “matar policial é grave, muito grave”, as quais, todavia, apenas ajudam a incitar a violência, porque mencionadas sem uma necessária contextualização sobre um planejamento estratégico. Vendo que o governo não faz nada para interromper a matança de policiais, os mesmos, desequilibrados pelo terrorismo do PCC,  organizam esquadrões da morte. Alckmin parece apoiar tacitamente essa estratégia, que além de criminosa é burra, porque gera insegurança generalizada, revolta popular por causa das vítimas inocentes, e espírito de vendeta entre a bandidagem, que tem muito menos a perder que policiais ou cidadãos comuns.
Essa é a gestão competente de que a mídia tanto fala? Buracos de metrô, pontes caindo, matança generalizada, espancamento de professores e alunos? A blindagem dos problemas no Bandeirantes pela imprensa paulista dá nisso: problemas se acumulam, autoridades não se mobilizam para resolvê-los, gerando uma explosão de sangue e violência na maior e mais rica cidade brasileira.
No afã de defender o PSDB e atacar o PT, a mídia paulista está conseguindo o contrário, numa dialética bizarra, quase divertida, que apenas um ambiente democrático poderia produzir. Mesmo no poder, o PT continua exercitando diariamente a luta política, como se ainda estivesse na oposição. E o PSDB, mesmo na oposição, engorda e perde agilidade no conforto da blindagem que a mídia lhe oferece.
*
Na CPI do Cachoeira, a guerra ainda não está ganha. E temos uma situação curiosíssima. Os mesmos que gritam “pizza” são os verdadeiros pizzaiolos, aí incluindo a mídia, visto que são estes que pressionam para que o relatório final da CPI não seja aprovado. O espetáculo de hipocrisia que vemos nos atacam a CPI é deprimente. Criticavam a CPI porque não convocava o dono da Delta, Fernando Cavendish. Pois bem, não só convocaram, como o governo, através da CGU, declarou a empresa inidônea, o que a impede automaticamente de entrar em qualquer licitação pública. Disseram que a CPI não quebraria o sigilo da Delta nacional, limitando-se à sua filial em Goiás. A CPI aprovou a quebra do sigilo da Delta nacional e de mais dezenas de empresas ligadas à construtora, e Cavendish foi indiciado.
Os hipócritas, querendo jogar pra platéia, em vez de apoiarem o relator, e focarem na quantidade monstruosa de documentos e sigilos já disponíveis, dizem que pretendiam quebrar mais 500 sigilos e convocar mais não sei quanta gente, e prorrogar a CPI por mais não sei quanto tempo. Agora, é claro que a oposição vai chiar. A mídia, como sempre, vai chantagear pesadamente os parlamentares. A tensão nos bastidores deverá atingir um grau máximo até o dia da votação do relatório, na quarta-feira que vem.
De qualquer maneira, CPI é um órgão político, portanto não tem importância capital se o relatório será aprovado ou não. Quer dizer, seria ótimo, para o bem da justiça, que fosse aprovado como está. O essencial, todavia, é que ele foi produzido, contém provas e argumentos consistentes. Está aí para todo mundo ver. Os sigilos serão encaminhados ao Ministério Público e à Polícia Federal. Tirando ou não o nome de Policarpo Júnior, redator-chefe da Veja, do relatório, a sociedade agora sabe que o repórter se envolveu com o esquema Cachoeira. A luta política contra os desmandos golpistas e criminosos da Veja não teve início com a CPI do Cachoeira e não vai terminar com seu relatório final. Na verdade, quem está jogando terra sobre a cova da mídia não é nenhum petista, nem Dirceu, nem blogueiro. É o povo, através do voto, quem está fazendo o trabalho mais difícil, que é apear do poder, um a um, seus amiguinhos políticos. Assim como o julgamento do mensalão será usado, por muitos anos, para fustigar petistas, o relatório de Odair Cunha, aprovado ou não, será usado – democraticamente – como uma arma política para abater tucanos, nos partidos e na mídia.  Os campeões ou perdedores das escaramuças de hoje só serão conhecidos em 2014.

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