domingo, 14 de outubro de 2012

Balanço eleitoral aponta declínio do aecismo

 

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Embora tenha vencido em Belo Horizonte, com Marcio Lacerda, do PSB, Aécio perdeu em cidades importantes e até na sua São João del Rei – terra de sua família e de seu avô, Tancredo Neves –, onde o PT venceu as eleições, com Helvécio Luiz Reis

 

Colunista da Folha 'chuta o pau da barraca'

Barbara Gancia chuta o pau da barraca

Edição/247: barbara gancia e estatua da justiça
Colunista da Folha diz que Lula venceu as eleições, que Veja distorce a realidade ao vender Joaquim Barbosa como novo herói nacional, que José Genoino não merece o que está vivendo e condena a análise maniqueísta dos que analisam o julgamento do mensalão com sangue nos olhos

 

Malafaia é o capanga de Serra

Por Altamiro Borges

Na eleição presidencial de 2010, o tucano José Serra contou com o apoio dos milicos de pijama saudosos da ditadura, dos fanáticos do Opus Dei e de vários religiosos preconceituosos e mercantilistas. Agora, novamente, ele aciona esta tropa de choque para tentar evitar um desastre na disputa pela prefeitura paulistana. De imediato, o sinistro “pastor” Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, apresentou-se para o trabalho sujo. Ontem ele divulgou um vídeo repugnante, de 12 minutos, contra o candidato petista Fernando Haddad.
 
O “religioso” bravateiro, que já prometeu “fornicar” uma liderança do movimento gay, acusa o petista de defender os homossexuais. “O senhor até hoje não abriu a boca para se explicar sobre o 'kit gay'. Ali é para ensinar homossexualismo nas escolas... O senhor deu grana para ativistas gays fazerem esse lixo moral para ensinar homossexualismo”. Com mais esta iniciativa fascista, o fundamentalista insiste na promoção do ódio homofóbico e até poderia ser processado por crime de estímulo ao preconceito e à violência.
 
Tática diversionista do PSDB
Malafaia deverá ser o principal capanga de José Serra nestas eleições. O eterno candidato, porém, tenta disfarçar o uso deste trabalho sujo. Ontem, o tucano garantiu que “não assumi nenhum tipo de compromisso com o pastor Malafaia. Ele me apoia e não pediu nada em troca”. A mentira é descarada! Logo após um encontro dele com o “líder religioso”, na terça-feira (9), os ataques homofóbicos tiveram início. O “pastor” esbravejou que iria “arrebentar” com Fernando Haddad. Na sequência, ele divulgou o vídeo asqueroso.
 
O comando da campanha petista já percebeu a tática diversionista. “Serra instrumentaliza as religiões. Fez isso pra atacar a presidente Dilma e fará o mesmo para me atacar... Ele tem um exército na rede social que promove o ódio. É a mesma estratégia de 2010. Só que deu errado. O que ele tinha que entender é que esse tipo de prática vai dar errado", afirma Fernando Haddad. Mesmo assim é preciso cautela. O discurso preconceituoso, disfarçado de religioso, causou estragos na campanha de Dilma Rousseff. Não dá para subestimar!
 
Pesquisa Datafolha indica que o candidato petista lidera a disputa entre os principais grupos religiosos. Haddad ultrapassa Serra entre os católicos, evangélicos pentecostais, não pentecostais e umbandistas, que juntos representam 83% do eleitorado paulistano. Isto explica a guerra nada santa desencadeada pelo PSDB, que confunde política e religião – uma mistura sempre inflamável. No primeiro turno, Serra costurou “acordos” e participou de vários eventos públicos em templos e igrejas. Agora, ele aciona o jagunço Silas Malafaia!

O julgamento do mensalão foi uma vitória de Pirro para a oposição?

 
Pirro, rei de Épiro e da Macedônia, foi um dos mais renhidos adversários dos romanos, quando estes ainda lutavam com dificuldade para estabelecer sua hegemonia no mundo antigo. Numa batalha de grandes proporções ocorrida na costa da Itália, o exército de Pirro derrotou os romanos. No entanto, quando um indíviduo cumprimentou Pirro publicamente pela vitória, o rei – para surpresa geral – respondeu com tristeza: “mais uma vitória dessas e estamos perdidos”.
 
É que a vitória aconteceu ao custo de tantas vidas que debilitou irremediavelmente as forças militares de Pirro. Enquanto isso os romanos, que haviam perdido a batalha, recompunham rapidamente seus exércitos, e se preparavam orgulhosamente para novos combates.
 
Daí surgiu a expressão “vitória pírrica“, ou “vitória de Pirro”, usada sempre que o preço da vitória é alto demais, e numa conjuntura que corresponde, enfim, a uma derrota.
 
A condenação de Dirceu e Genoíno, que integravam a cúpula do governo e do PT no início da era Lula, foi seguramente uma importante vitória da oposição. No entanto, alguns fatos nos permitem cogitar a hipótese de que esta foi uma espetacular vitória pírrica.
 
Em primeiro lugar, o custo da vitória foi bem alto. Durante sete anos, a mídia mobilizou todo seu formidável aparato de pressão. De 2005 até aqui, as forças de oposição, que tem na mídia seu principal representante político, gastaram uma quantidade monstruosa de munição, e na reta final do julgamento, os investimentos triplicaram-se. Por fim, ministros do STF tiveram que: brandir teorias extemporâneas sobre “domínio de fato”, tese que é usada em situações de guerra, e mesmo assim tem sido contestada inclusive pelos juristas que a criaram; relativizar a importância da existência ou não de provas; e inverter alguns princípios fundamentais dos cânones, como a presunção da inocência.
 
O STF ficou manchado pela suspeita de covardia perante a publicidade opressiva dos meios de comunicação, reacionarismo sectário e oportunista, arbitrariedade, incompetência, e por fim, seus os ministros receberam do sempre elegante professor Wanderley Guilherme dos Santos, um epíteto fortíssimo e justíssimo: “analfabetos funcionais em doutrina democrática”.
 
As lideranças dos principais partidos assinaram manifesto criticando a politização do julgamento do mensalão, e as redes sociais explodiram com manifestações de revolta pelo arbítrio midiático, quase golpista, de vários ministros, sobretudo Ayres Britto e Celso Mello, que transformaram a plenária do STF numa tribuna do mais vulgar, desvairado e hipócrita proselitismo político.
 
Ou seja, houve dano, sim, e profundo, à imagem do STF, junto a um imenso contingente de cidadãos, entre eles alguns da mais alta categoria, como Wanderley Guilherme, fundador da ciência política no Brasil e um dos maiores especialistas em democracia no mundo.
 
E as eleições? Em meio a um julgamento espetacularizado ao máximo, o partido que, em tese, mais deveria sofrer, foi o que mais ganhou. O PT se tornou a legenda mais votada no país e periga vencer na fortaleza da oposição, São Paulo.
 
O povão, aquele que não lê os artigos de Wanderley, nem os de Arnaldo Jabor, mas assiste à TV Globo e acaba, de uma forma ou outra, tendo como único meio de informação os veículos da grande mídia, esse povão, como está interpretando o julgamento da Ação Penal 470?
 
Não seria uma dessas incríveis ironias da história que o povo, que invariavelmente festeja a condenação de graúdos, independentemente se são inocentes ou não (até porque o povo entende, muito astutamente, que não existem inocentes na política), não seria engraçado que este povo, inconscientemente, credite este “avanço” democrático à Lula, à Dilma, e a seu campo político?
 
O povo não quer saber se Dirceu é inocente ou não. Como diria Pascal (com indisfarçável ironia), o povo tem opiniões muito saudáveis, e entre estas a de não perdoar ninguém. Está na mídia, é culpado. É réu num processo por corrupção? É culpado. No entanto, a visão cínica do povo é realmente democrática. Ele não vê inocência em parte alguma. Se gosta de Lula, jamais foi por ver Lula como inocente, e sim como um político astuto o suficiente para chegar à Presidência, vencer seus adversários e fazer um bom governo.
 
E assim, não estaria o povo interpretando o julgamento do mensalão como mais uma conquista trazida pela era Lula? E o povo, mais uma vez, tem ideias saudáveis, porque, de fato, dificilmente veríamos situação similar se a direita estivesse no poder. A direita jamais indicaria, como fez Lula (ingenua e equivocadamente, agora vemos), o primeiro escolhido de um Ministério Público fortemente conservador. FHC catou seu procurador de um longínquo sexto lugar. Jamais a direita apontaria ministros do STF que não fossem estritamente de sua confiança. Lula escolheu Joaquim Barbosa e Ayres Britto. FHC escolheu… Gilmar Mendes.
 
De resto, FHC tinha apoio na mídia, que embora também fizesse denúncias pontuais contra seu governo, não agia como principal partido de oposição. Jamais veríamos uma campanha tão sórdida e brutal sobre o STF e a opinião pública, se os réus fossem elegantes e respeitados caciques tucanos.
 
Então, de fato, a condenação dos réus do mensalão pode estar sendo vista pelo povo como mais um avanço “democrático” proporcionado pela era lulista. Ele não se envolve nos debates jurídicos e políticos ferozes tão acesos na mídia e na blogosfera. Ele se informa sobre o mensalão com interesse mediano, e vê, admirado, que pela primeira vez gente poderosa está sendo condenada duramente pelo STF. Nunca viu isso antes. Viva o Brasil, pensa ele! Agora sim, os corruptos estão indo presos!
 
Essa tese explicaria porque o mensalão não prejudicou o PT, que, ao contrário, cresceu substancialmente nessas eleições e tem boa chance de ganhar em São Paulo.
 
A direita, por sua vez, demonstra perplexidade. Quanto mais grita “mensalão”, mais o PT cresce.
 
Haddad já está 12 pontos à frente de Serra nas pesquisas de intenção de voto, quando consideramos apenas os votos válidos. E a maioria dos eleitores de Russomano, apontam as mesmas pesquisas, demonstram preferência pelo petista. Junto às classes liberais paulistanas (inclusive suas vertentes conservadoras ideologicamente), as estratégias baixas do tucano, como abusar do preconceito religioso e se pendurar no discurso da Veja e seus blogueiros de esgoto, surtirão efeito negativo. E os eleitores bem informados, mesmo aqueles que festejaram a condenação de Dirceu e Genoíno, sabem que Haddad não tem nada a ver com isso, assim como Serra não tem nada a ver com o mensalão do DEM ou com o mensalão tucano mineiro.
 
O povo, além de ter opiniões saudáveis, também é criativo, e pode votar no PT com mais convicção após o julgamento do mensalão: uns – uma minoria mais informada – por discordar do STF; outros por concordar, imaginando que o Supremo ajudou o partido a se livrar de seus corruptos.
 
São apenas teorias, mas que não são nada absurdas, a meu ver, visto que se encaixam nos resultados das urnas.
 
Para fechar o post com um toque cultural, cito uma frase de Espinoza, o teorema V do capítulo De Origine et Natura Affectuum, da Ética:
As coisas são de natureza contrária, ou seja, não podem viver no mesmo sujeito, na medida em que uma delas pode destruir a outra.
Eu interpreto essa máxima, trazendo-a para nosso contexto (data venia aos acadêmicos), da seguinte maneira:
 
Meditando se o julgamento do mensalão atrapalhou ou não o PT nessas eleições, entende-se que a única maneira de fazê-lo imparcialmente é avaliando o resultado das urnas. Se este mostra um grande crescimento do PT, temos uma realidade que prejudica a tese segundo a qual o julgamento atrapalhou o desempenho do partido. A frase de Espinoza (data venia de novo) significa, em síntese: é uma coisa ou outra. Daí, portanto, abre-se caminho para uma outra hipótese, surpreendente, e que corresponderia, como já disse, a uma divertida ironia histórica: pelas razões já apresentadas, o julgamento do mensalão ajudou o PT. O que não significa que o povo seja leniente com a corrupção. Ao contrário, o povo é severo, inquisitorial, quando se trata de condenar acusados por desvio de verba pública. Mas o povo não é hipócrita, nem inocente. Sabe que há corrupção em todos os partidos, e votará naquele que, ao menos, registra a “fragilidade” democrática, quase virtuosa, de ter seus caciques – todos eles, inclusive Lula – expostos ao sol da justiça.
 
Do blog O Cafezinho

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Ave Maria Latino Americana


 
 
 
 
 
Ave Maria
grávida das aspirações de nossos pobres
o Senhor é convosco,
bendita sois vós entre os oprimidos,
benditos são os frutos de libertação do vosso ventre.
Santa Maria Mãe latino-americana
rogai por nós
para que confiemos no Espírito de Deus,
agora que o nosso povo assume a luta por justiça
e na hora de realizá-la em liberdade,
para um tempo de paz.
Amém!

(texto atribuído a Frei Betto)
Fonte: SAVAGET, Luciana, org. Maria de todas as graças. 2ª ed. p.105. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1998.

"Outro Olhar" em Paracatu: Projeto Vozes da Juventude

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Quarenta anos de ‘Jesus Cristo Libertador’

 
Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital
 
Entre os dias 7-10 de outubro está acontecendo em São Leopoldo junto ao Instituto Humanitas da Unisinos dos Jesuitas, a celebração dos 40 anos do surgimento da Teologia da Libertação. Lá estão os principais representantes da América Latina, especialmente, seu primeiro formulador, o peruano Gustavo Gutiérrez. Curiosamente no mesmo ano, 1971, sem que um soubesse do outro, tanto Gutiérrez (Peru), quanto Hugo Assman (Bolívia), Juan Luiz Segundo (Uruguai) e eu (Brasil) lançávamos nossos escritos, tidos como fundadores deste tipo de teologia. Não seria a irrupção Espírito que soprava em nosso Continente marcado por tantas opressões?
 
Eu, para burlar os órgãos de controle e repressão dos militares, publicava todo mês no ano 1971 um artigo numa revista para religiosas Sponsa Christi (Esposa de Cristo) com o título: Jesus Cristo Libertador. Em março de 1972 reuni os artigos e arrisquei sua publicação em forma de livro. Tive que esconder-me por duas semanas, pois a polícia política me procurava. As palavras "libertação” e "libertador” haviam sido banidas e não podiam ser usada publicamente. Custou muito ao advogado da Editora Vozes, que fora pracinha na Itália, para convencer os agentes da vigilância de que se tratava um livro de teologia, com muitos rodapés de literatura alemã e que não ameaçava o Estado de Segurança Nacional.
 
Qual a singularidade do livro (hoje na 21ª edição)? Ele apresentava, fundada numa exegese rigorosa dos evangelhos, uma figura do Jesus como libertador das várias opressões humanas. Com duas delas ele se confrontou diretamente: a religiosa sob a forma do farisaísmo da estrita observância das leis religiosas. A outra, política, a ocupação romana que implicava reconhecer o imperador como "deus” e assistir a penetração da cultura helenística pagã em Israel.
 
À opressão religiosa Jesus contrapôs uma "lei” maior, a do amor incondicional a Deus e ao próximo. Este para ele é toda pessoa da qual eu me aproximo, especialmente os pobres e invisíveis, aqueles que socialmente não contam.
À política, ao invés de submeter-se ao Império dos Césares, ele anunciou o Reino de Deus, um delito de lesa-majestade. Este Reino comportava uma revolução absoluta do cosmos, da sociedade, de cada pessoa e uma redefinição do sentido da vida à luz do Deus, chamado de Abba, quer dizer, paizinho bondoso e cheio de misericórdia fazendo que todos se sentissem seus filhos e filhas e irmãos e irmãs uns dos outros.
 
Jesus agia com a autoridade e a convicção de alguém enviado do Pai para libertar a criação ferida pelas injustiças. Mostrava um poder que aplacava tempestades, curava doentes, ressuscitava mortos e enchia de esperança todo o povo. Algo realmente revolucionário iria acontecer: a irrupção do Reino que é de Deus mas também dos humanos por seu engajamento.
 
Nas duas frentes criou um conflito que o levou à cruz. Portanto, não morreu na cama cercado de discípulos. Mas executado na cruz em consequência de sua mensagem e de sua prática. Tudo indicava que sua utopia fora frustrada. Mas eis que aconteceu um evento inaudito: a grama não cresceu sobre sua sepultura. Mulheres anunciaram aos apóstolos que Ele havia ressuscitado. A ressurreição não deve ser identificada com a reanimação de seu cadáver, como o de Lázaro. Mas como a irrupção do ser novo, não mais sujeito ao espaço-tempo e à entropia natural da vida. Por isso atravessava paredes, aparecia e desaparecia. Sua utopia do Reino, como transfiguração de todas as coisas, não podendo de realizar globalmente, se concretizou em sua pessoa mediante a ressurreição. É o Reino de Deus concretizado nele.
 
A ressurreição é o dado maior o cristianismo sem o qual ele não se sustenta. Sem esse evento bem-aventurado, Jesus seria como tantos profetas sacrificados pelos sistemas de opressão. A ressurreição significa a grande libertação e também uma insurreição contra este tipo de mundo. Quem ressuscita não é um Cesar ou um Sumo Sacerdote, mas um crucificado. A ressurreição dá razão aos crucificados da história da justiça e do amor. Ela nos assegura que o algoz não triunfa sobre a vítima. Significa a realização das potencialidades escondidas em cada um de nós: a irrupção do homem novo.
 
Como entender essa pessoa? Os discípulos lhe atribuíram todos os títulos, Filho do Homem, Profeta, Messias e outros. Por fim concluíram: humano assim como Jesus só pode ser Deus mesmo. E começaram a chama-lo de Filho de Deus.
 
Anunciar um Jesus Cristo libertador no contexto de opressão que existia ainda persiste no Brasil e na América Latina era e é perigoso. Não só para a sociedade dominante; mas, também, para aquele tipo de Igreja que discrimina mulheres e leigos. Por isso seu sonho sempre será retomado por aqueles que se recusam aceitar o mundo assim como existe. Talvez seja este o sentido de um livro escrito há 40 anos.

O vencedor foi Lula

Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:

Eu pergunto quando tempo nossos analistas de plantão vão levar para reconhecer o grande vitorioso do primeiro turno da eleição municipal.

Não, não foi Eduardo Campos, embora o PSB tenha obtido vitorias importantes no Recife e em Belo Horizonte.

Também não foi o PDT, ainda que a vitória de José Fortunatti em Porto Alegre tenha sido consagradora. Terá sido o PSOL? Os “novos partidos”?

O grande vitorioso de domingo foi Luiz Inácio Lula da Silva e é por isso que os coveiros de sua força política passaram o dia de ontem trocando sorrisos amarelos.

Nem sempre é fácil reconhecer o óbvio ululante. É mais fácil lembrar a derrota do PT no Piauí, ou em São Luís.

Nosso leitor Roberto Locatelli lembra: o PT passou o PMDB e foi o partido que mais acumulou votos na eleição. Passou dos 16 milhões. Tinha 550 prefeituras. Agora tem mais de 612. Fernando Rodrigues observa que é o único partido de seu tamanho que segue crescendo.

Vamos combinar: a principal aposta de Lula em 2012 foi Fernando Haddad que, superando as profecias do início da campanha, não só passou para o segundo turno mas entra nessa fase da disputa em posição bastante favorável. Em São Paulo se travou a mãe de todas as batalhas.

Imagino as frases prontas e as previsões sombrias sobre o futuro de Lula e do PT se Haddad tivesse ficado de fora…

A disputa no segundo turno está apenas no início e é cedo para qualquer previsão.

Mas é bom notar que as pesquisas indicam que Haddad é a segunda opção da maioria dos eleitores de Celso Russomano. Uma pesquisa disse até que Haddad poderia chegar em segundo no primeiro turno, mas tinha boas chances de vencer Serra, no segundo. Qual o valor disso agora? Não sei. Mas é bom raciocinar com todas as informações.

Quem assistiu a pelo menos 30 minutos dos debates presidenciais sabe que Gabriel Chalita já tem lado definido desde o início – como adversário de José Serra. O que vai acontecer? Ninguém sabe.

O próprio Serra tem uma imensa taxa de rejeição, que limita, por si só, seu potencial de crescimento.

O apoio de Russomano tem um peso relativo. Se ele não conseguia controlar aliados quando era favorito e podia dar emprego para todo mundo, inclusive para uma peladona de biquini cor de rosa descrita como assessora, imagine agora como terá dificuldades para manter a, digamos, fidelidade partidária…

O mais provável é que seu eleitorado se divida em partes mais ou menos iguais.

Não vejo hipótese da Igreja Universal ficar ao lado de José Serra. Nem Silas Malafaia com Haddad.

A votação de Haddad confirma a liderança de Lula e a disposição dos eleitores em defender o que ele representa. Mostra que o ambiente político de 2010, que levou a eleição de Dilma Rousseff, não foi revertido. Isso não definiu o resultado em cada cidade mas ajudou a compor a situação no país inteiro.

Os 40% de votos que Patrus Ananias obteve em Belo Horizonte mostram um desempenho bem razoável, considerando que o tamanho do condomínio adversário.

Quem define a boa vitória de Lacerda como uma vitória de Aécio sobre Dilma incide no pecado da ejaculação precoce.

O grande derrotado do primeiro turno, que mede a força original de cada partido, não aquilo que se pode conquistar com alianças da segunda fase, foi o PSDB.

O desempenho tucano sequer qualifica o partido como oponente nacional do PT. Perdeu eleição em Curitiba, onde seu concorrente tinha apoio do governador de Estado, desapareceu em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, terra do vice de José Serra em 2010 – que não é tucano, por sinal. Se a principal vitória do PSDB foi com um candidato do PSB é porque alguma coisa está errada, concorda?

Respeitado por ter chegado em primeiro lugar em São Paulo, Serra já teve desempenhos melhores.

As cenas finais da campanha foram os votos do julgamento do mensalão, transmitidos em horário nobre durante um mês inteiro. Tinham muito mais audiência do que os programas do horário político.

Menino pobre e preto, Joaquim Barbosa já vai sendo apresentado como um contraponto a Lula…

Antes que analistas preconceituosos voltem a dizer que a população de renda mais baixa tem uma postura menos apegada a princípios éticos – suposição que jamais foi confirmada por pesquisadores sérios — talvez seja prudente recordar que o eleitor é muito mais astuto do que muitos gostariam.

Sabe separar as coisas.

Aprendeu a decodificar o discurso moralista, severo com uns, benigno com outros, como a turma do mensalão do PSDB-MG, os empresários que jamais foram denunciados na hora devida…

Anunciava-se, até agora, que a eleição seria nacionalizada e levaria a um julgamento de Lula.

Não foi. O pleito mostra que o eleitor não mudou de opinião.

O eleitor mostrou, mais uma vez, que adora rir por último.

A voz das urnas de 2012

Paulo Moreira Leite

Confesso que o sorriso amarelo dos coveiros de Lula e do PT é um dado preocupante de nosso momento político.
 
Explico. Nos tempos da ditadura, o grande Ulysses Guimarães, personalidade maior da resistência, dizia que era preciso ouvir a voz das ruas. É que naquele tempo, com a imprensa censurada, os deputados cassados, os partidos reprimidos, o país falava pelas ruas. Eram passeatas, protestos e greves.
 
Quem ouviu a voz das ruas se deu bem. Percebeu o rumo da história, modificou prioridades, apostou na direção do futuro. Quem não entendeu isso ficou olhando a vida passar pela janela.
 
A voz das urnas de 2012 é muito clara. Olhe só:
 
a) o PT recebeu o maior número de votos da campanha. Ou seja: no país inteiro, 17, 3 milhões de brasileiros saíram de casa, há dois dias, para votar em candidatos deste partido; o PSDB teve 3 milhões de votos a menos;
 
b) o PT ganhou 14% a mais de prefeituras, enquanto o PSDB perdeu 12% e o PMDB perdeu 14%;
 
c) entre as cidades de mais de 200 000 habitantes, o PT foi melhor que os outros; emplacou 8 prefeitos no primeiro turno e disputará 22 prefeituras em segundo turno; o PSDB, que ficou em segundo, ganhou 6 e disputa 17;
 
d) entre partidos menores, o PSB cresceu muito. O número de prefeituras aumentou 43%. Vamos lembrar: o PSB não é um partido de oposição nem é neutro. Faz parte da base do governo Dilma e colhe os benefícios do crescimento do Nordeste, acelerado a partir de 2003. A maior vitória do PMDB ocorreu no Rio de Janeiro e envolve uma aliança federal e municipal entre o Planalto e os pemedebistas de Sérgio Cabral e Eduardo Paes. Eles também são aliados de Lula e Dilma. Numa cidade célebre por seu oposicionismo, onde se vaia até minuto de silêncio, a situação teve 64% dos votos.
 
e) o PSD surgiu hoje como a quarta legenda. Vamos lembrar: quando Gilberto Kassab disse que ia fazer um partido que não era de esquerda nem de direita, ele queria dizer que estava indo da direita para a esquerda – e se aproximava de Dilma. Tomou porrada por isso. Não por uma suposta impureza ideológica.
 
Estes dados me parecem sólidos o suficiente para dizer quem ganhou a eleição. Em função do segundo turno, é cedo para medir o resultado pelo número final de prefeituras conquistadas. Este aspecto é importantíssimo.
 
Mas para medir a vontade do eleitor, este é o melhor momento. Todo mundo teve direito de levar sua mensagem a TV, dar porrada, levar porrada, e o saldo está aí.
 
Voltando à mensagem da rua e das urnas.
 
Quem não entendia a mensagem da rua, no tempo da ditadura, partiu para a ignorância. O povo dizia que queria democracia e eles até atrapalhavam a abertura lenta e gradual. Matavam presos políticos para criar crises e elevar a tensão. Promoviam atentados terroristas, com a mesma finalidade. Fizeram a bomba do Rio Centro, explodiam bancas de jornal. Assassinaram dona Lida, secretaria da OAB. Infiltravam-se em greves, assembleias, passeatas.
 
Essa reação criminosa é inaceitável mas pode ser explicada. Incapaz de dar respostas à história, o que dificulta até o dialogo com os próprios filhos, o sujeito procura ressuscitar o passado através de ações criminosas.
 
É aquela cena de filme de terror classe B em que o morto vivo ressurge de dentro da terra.
Também temos, em 2012, quem não consegue sequer ouvir a voz das urnas.
 
E isso é um problema?
 
Eu acho. Não digo que leva o cidadão para o terrorismo. Não obrigatoriamente rsrsrsrs.
 
Mas leva ao jogo sujo. Leva a mentira, a trapaça. Por que? Porque a pessoa parou de trabalhar com a realidade, deixou de olhar para aquilo que eu e você podemos ver – e que o números de domingo mostram – para jogar com sua própria fantasia. Não aceita que a maioria dos cidadãos aprove um governo que realizou mudanças modestíssimas, precárias, etc, mas que lhe permite viver um pouco melhor, comer um pouco melhor e assim por diante.
 
E é da democracia aceitar que a maioria – mesmo a mais humilde, menos educada formalmente – tem o direito de optar por seu destino. É democrático procurar entender o que a maioria diz e pretende. Até para tentar convencê-la a mudar de pensamento, se for o caso.
 
Quem não enxerga a maioria, não compreende o que ela diz, tem reações autoritárias. Parte para o baixo nível, o jogo sujo, a mentira.
 
E é este, só este, meu receio para o segundo turno. Negar o que as urnas disseram, há dois dias, é procurar um caminho para a baixaria que todos conhecemos e lamentamos. Ou será que para alguns não há alternativa?
 
Deu para entender, certo?

Leonardo Boff: A espetacularização e a ideologização do Judiciário

Leonardo Boff
 
É com muita tristeza que escrevo este artigo no final da tarde desta quarta-feira, após acompanhar as falas dos ministros do Superemo Tribunal Federal. Para não me aborrecer com e-mails rancorosos vou logo dizendo que não estou defendendo a corrupção de políticos do PT e da base aliada, objeto da Ação Penal 470 sob julgamento no STF. Se malfeitos foram comprovados, eles merecem as penas cominadas pelo Código Penal. O rigor da lei se aplica a todos.
 
Outra coisa, entretanto, é a espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Ai é ineludível a feira das vaidades e o vezo ideológico que perpassa a maioria dos discursos.
 
Desde A ideologia Alemã, de Marx/Engels (1846), até o Conhecimento e interesse, de J. Habermas (1968 e 1973), sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda prática humana age uma ideologia latente. Resumidamente, podemos dizer que a ideologia é o discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o que pretende ser o mais objetivo possível, vem impregnado de interesses.
Pois, assim é a condição humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo o ponto de vista é a vista de um ponto. Isso é inescapável. Cabe analisar política e eticamente o tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos serve e que projeto de Brasil tem em mente. Como entra o povo nisso tudo? Ele continua invisível e até desprezível?
 
A ideologia pertence ao mundo do escondido e do implícito. Mas há vários métodos que foram desenvolvidos, coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de epistemologia em Petrópolis, para desmascarar a ideologia. O mais simples e direto é observar a adjetivação ou a qualificação que se aplica aos conceitos básicos do discurso, especialmente, das condenações.
 
Em alguns discursos, como os do ministro Celso de Mello, o ideológico é gritante, até no tom da voz utilizada. Cito apenas algumas qualificações ouvidas no plenário: o mensalão seria “um projeto ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, um “assalto criminoso à administração pública”, “uma quadrilha de ladrões de beira de estrada” e um “bando criminoso”. Tem-se a impressão de que as lideranças do PT e até ministros não faziam outra coisa que arquitetar roubos e aliciamento de deputados, em vez de se ocuparem com os problemas de um país tão complexo como o Brasil.
 
Qual o interesse, escondido por detrás de doutas argumentações jurídicas? Como já foi apontado por analistas renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos Santos, revela-se aí certo preconceito contra políticos vindos do campo popular. Mais ainda: visa-se aniquilar toda a possível credibilidade do PT, como partido que vem de fora da tradição elitista de nossa política; procura-se indiretamente atingir seu líder carismático maior, Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro e o primeiro presidente operário, com uma inteligência assombrosa e habilidade política inegável.
 
A ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto. Seu destino e condenação é a Planície. No Planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros. Mas nunca como presidente.
 
Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa. Dificilmente, se tolera que através do PT os lascados e invisíveis começaram a discutir política e a sonhar com a reinvenção de um Brasil diferente. Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na ignorância. Tem-se verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala. Pois, Lula e outros líderes populares ou convertidos à causa popular como João Pedro Stedile, começaram a falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma Argentina inteira ser inserida na sociedade dos cidadãos.
 
Essa causa não pode estar sob juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram sempre destituídos. A Justiça precisa tomar a sério esse anseio a preço de se desmoralizar, consagrando um status quo que nos faz passar internacionalmente vergonha. Justiça é sempre a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, a virtude que perpassa todas as virtudes (“a luminossísima estrela matutina” de Aristóteles). Estimo que o STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve honrar essa justiça-mor que encerra todas as virtudes da polis, da sociedade organizada. Então, sim, se fará justiça neste país.
 
* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é professor aposentado de ética da Uerj.