quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Santayana e, enfim, um Papa sem fanatismo


19 de dezembro de 2013 | 11:00 Autor: Fernando Brito
francisco
Espetacular a reflexão de Mauro Santayanna, no JB, sobre a importância do comportamento adotado pelo Papa Francisco à frente da Igreja.
Sua disposição não apenas de defender regras de convívio econômico e geopolítico que não imponham uma opressão desumana  aos povos e países mais frágeis, mas de  propagar o pensamento (e mesmo os dogmas) da fé católica sem fazer disso a demonização de quem não os aceita é algo que não vemos desde o papado de Paulo VI, até fins dos anos 70.
A tentativa de reacender um “guerra fria”, agora com o que chamam de populismo em lugar da União Soviética é evidente e um retrocesso no processo de legitimar apetites de poder que de cristãos nada têm.
Acrescento apenas um detalhe sobre o qual Santayanna não se detém: Francisco I é um freio imenso à manipulação da religião no processo eleitoral, e estamos entrando nele.

Habemus Papam

Mauro Santayana
Acusado por um conservador norte-americano de ser marxista, Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, negou sê-lo, mas disse que não se sentia ofendido, por ter conhecido ao longo de sua vida, muitos marxistas que eram boas pessoas.
A declaração do Papa, evitando atacar ou demonizar os marxistas, e atribuindo-lhes a condição de comuns mortais, com direito a ter sua visão de mundo e a defendê-la, é extremamente importante, no momento que estamos vivendo agora.
A ascensão irracional do anticomunismo mais obtuso e retrógrado, em todo o mundo – no Brasil, particularmente, está ficando “chic” ser de extrema direita – baseia-se em manipulação canalha, com que se tenta, por todos os meios, inverter e distorcer a história, a ponto de se estar criando uma absurda realidade paralela.
Estabelecem-se, financiados com dinheiro da direita fundamentalista, “Museus do Comunismo”; surgem por todo mundo, como nos piores tempos da Guerra Fria, redes de organizações anticomunistas, com a desculpa de se defender a democracia; atribuem-se, alucinadamente, de forma absolutamente fantasiosa, cem milhões de mortos ao comunismo.
Busca-se associar, até do ponto de vista iconográfico, o marxismo ao nacional-socialismo, quando, se não fossem a Batalha de Stalingrado, em que os Alemães e seus aliados perderam 850 mil homens e a Batalha de Berlim, vencidas pelas tropas do Exército Vermelho – que cercaram e ocuparam a capital alemã e obrigaram Hitler a se matar, como um rato, em seu covil – a Alemanha Nazista teria tido tempo de desenvolver sua própria bomba atômica e não teria sido derrotada.
Quem compara o socialismo ao nazismo, por uma questão de semântica, se esquece que, sem a heróica resistência, o complexo industrial-militar, e o sacrifício dos povos da União Soviética – que perdeu na Segunda Guerra Mundial 30 milhões de habitantes – boa parte dos anticomunistas de hoje, incluídos católicos não arianos e sionistas, teriam virado sabão nas câmaras de gás e nos fornos crematórios de Auschwitz, Birkenau e outros campos de extermínio.
Espalha-se, na internet – e um monte de beócios, uns por ingenuidade, outros por falta de caráter mesmo, ajudam a divulgar isso – que o Golpe Militar de 1964 – apoiado e financiado por uma nação estrangeira, os Estados Unidos – foi uma contra-revolução preventiva. O país era governado por um rico proprietário rural, João Goulart, que nunca foi comunista. Vivia-se em plena democracia, com imprensa livre e todas as garantias do estado de direito, e o povo preparava-se para reeleger Juscelino Kubitscheck Presidente da República em 1965.
1964 foi uma aliança de oportunistas. Civis que há anos almejavam chegar à Presidência da República e não tinham votos para isso, segmentos conservadores que estavam alijados dos negócios do governo e oficiais – não todos, graças a Deus – golpistas que odiavam a democracia e não admitiam viver em um país livre.
Em um mundo em que há nações, como o Brasil, em que padres fascistas pregam abertamente, na internet e fora dela, o culto ao ódio, e a mentira da excomunhão automática de comunistas, as declarações do Papa Francisco, lembrando que os marxistas são pessoas normais, como quaisquer outras – e não são os monstros apresentados pela extrema-direita fundamentalista e revisionista sob a farsa do “marxismo cultural” – representam um apelo à razão e um alento.
Depois de anos dominada pelo conservadorismo, podemos dizer, pelo menos até agora, que Habemus Papam, com a clareza da fumaça branca saindo, na Praça de São Pedro, em dia de conclave, das veneráveis chaminés do Vaticano.
Um Papa maiúsculo, preparado para fortalecer a Igreja, com o equilíbrio e o exemplo do Evangelho, e a inteligência, o sorriso, a determinação e a energia de um Pastor que merece ser amado e admirado pelo seu rebanho.

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