Gianni Carta, de Paris
A presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula passaram por Paris com o desembaraço das lideranças vitoriosas, recebidos com entusiasmo e, no caso da presidenta, com as mesuras reservadas somente aos grandes chefes de Estado. Referências à campanha midiática movida no Brasil na tentativa de criar problemas na perspectiva das eleições de 2014 só houve por parte dos jornalistas brasileiros chamados a cobrir a visita.
Lula foi visto como o primeiro presidente brasileiro empenhado na aplicação de uma política econômica e social capaz de resgatar muitos brasileiros de séculos de miséria e também como herói do sindicalismo em uma França onde os sindicatos já exerceram um papel bem mais significativo do que se dá hoje. E Dilma apareceu como sua digna sucessora, a superar inclusive as expectativas com seu comportamento composto e atilado. O nome de Marcos Valério nem sequer foi murmurado à margem de cerimônias e debates, tampouco o pedido de demissão do ministro Guido Mantega formulado pela The Economist pareceu comover autoridades e jornalistas franceses.
Ao lado da presidenta Dilma Rousseff, o presidente francês, François Hollande, já no final de seu discurso para saudar os convidados ao jantar de gala no suntuoso Palácio do Élysée, anunciou na terça-feira 11: “Ampliaremos várias cooperações, como na área de defesa, embora não em relação aos aviões”. Hollande, simpático e acessível, estampou um sorriso de Mona Lisa. O presidente referia-se, não sem alguma ironia, à decisão brasileira de adiar a compra de 36 caças Rafale da francesa Dassault. Mas a plateia riu.
Foi a primeira visita de Estado de Dilma à França. Com a presidenta vieram ministros, como o da Fazenda, Guido Mantega, cuja demissão foi solicitada candidamente pela The Economist. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também marcou presença no Fórum pelo Progresso Social – O Crescimento como Saída para a Crise, organizado pelo Instituto Lula e pela Fundação Jean-Jaurès. Seu discurso final foi muito ovacionado.
Além de ter acontecido uma importante, e esperada, aproximação entre chefes de Estado de esquerda de dois países importantes na geopolítica global, os franceses queriam aprender com a experiência brasileira. Ao contrário do Brasil, que ainda deveria crescer 4% em 2013, como sustenta Guido Mantega, a França entrou em uma recessão. E vale a seguinte observação: os franceses mostraram modéstia no seu interesse pelo modelo econômico brasileiro, enquanto houve empresários brasileiros presentes em Paris inclinados à esperança.
Quando CartaCapital pediu a Abilio Diniz seu parecer sobre a crise francesa, ele retrucou: “Não estou aqui para falar mal da França. O que posso lhe dizer é o seguinte: o segredo, desde o primeiro mandato do Lula, é a geração de empregos e a distribuição da renda. O mercado interno está sustentando o Brasil”. Em miúdos, os franceses querem adotar medidas semelhantes.
Hollande, vale recapitular, venceu as presidenciais seis meses atrás em grande parte ao prometer “crescimento”, palavra-chave de sua campanha. Não, ele não executaria somente medidas de austeridade impostas pela Europa nortista onde Hollande e os líderes de outros países do Sul são vistos amiúde como incompetentes. Tabloides sensacionalistas dizem que os europeus do Norte têm de pagar pela “preguiça” dos sulistas.
Felizmente, há gente sensata no chamado Sul. Declarou no seu discurso na Fundação Jean-Jaurès o ministro francês da Economia e Finanças, Pierre Moscovici: “É preciso incentivar o crescimento, embora ajustes sejam necessários. O déficit de solidariedade (entre os 17 países da Zona do Euro) explica a crise. Nesses últimos anos falou-se somente em austeridade”. Para Moscovici, as políticas econômicas similares da França e do Brasil aproximam os dois países.
Hollande é um parceiro importante para o Brasil. No discurso do jantar de gala no Élysée, o presidente repetiu que apoia a presença do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). E acentuou ser importante a iniciativa dos institutos brasileiro e francês na realização do foro sobre crescimento. De fato, parece haver uma sintonia fina entre o convite a Dilma a Paris e a aproximação dos think tanks.
Escassos meses atrás, um diplomata disse a este repórter que “o Partido Socialista Francês é muito velho, e não se reformou o suficiente”. O ex-presidente Nicolas Sarkozy, embora político capaz de adotar medidas ultraconservadoras era mais ativo do que o atual presidente em termos de relações com o Brasil. “Sarkozy, ao contrário de Hollande, não queria se limitar a amizades com europeus, como fez nesses seis primeiros meses de mandato o atual presidente socialista”, avaliou o diplomata. Além disso, o ex-presidente conservador via, desde o início de seu mandato, em 2007, o Brasil como um parceiro fundamental. Mais: “Sarkozy e Lula se entendiam muito bem”. Lula, por exemplo, foi quem iniciou a negociação para a compra dos Rafale.
E aqui chegamos a uma encruzilhada. Os franceses, inclusive Hollande, não escondem seu descontentamento quando Dilma lhes diz que a crise a impossibilita de comprar os aviões. “Que avião vai escolher Dilma?”, lê-se na primeira página do diário econômico La Tribune. E, como escreveu um repórter do website do semanário L’Express, Dilma “deixou planar” a decisão sobre a compra de 36 caças Rafale para a Força Aérea Brasileira. “Nós tivemos de adiar essa escolha… e poderá levar algum tempo em razão do prazo em que a economia brasileira vai se recuperar”, afirmou a presidenta. Em última análise, falta ainda uma escolha clara por parte do governo brasileiro na disputa entre os Rafale e os F/A-18E/F Super Hornet, da norte-americana Boeing. E há também os Gripen NG, da sueca Saab.
Barack Obama, em visita recente ao Rio de Janeiro, falou sobre os méritos do F-18. Ele pode ser menos moderno que o Rafale, mas é também menos caro. Houve uma divisão na cúpula do pessoal ligado à defesa, segundo o diplomata citado acima. Os 36 caças Rafale, é verdade, valem 4 bilhões de dólares, o que não é pouco, mesmo assim Lula os julgava mais convenientes para a FAB. Será que foi mesmo a crise que fez Dilma vacilar? Hollande não deixou de lembrar que a França é o quarto maior investidor no Brasil. Nada menos que 500 empresas francesas estão instaladas em solo brasileiro.
De todo modo, maior pompa para a recepção de um chefe de Estado parece impossível. Nem Muammar Kaddafi, quando ainda era amigo de Nicolas Sarkozy, e trazia para a Capital das Luzes suas guarda-costas amazonas, cavalos e a costumeira tenda beduína, foi tratado de tal forma. Nessas 48 horas em que Dilma Rousseff esteve em Paris, entre os dias 11 e 12, vimos bandeiras brasileiras ao lado de francesas Paris afora, inclusive no desfile nos Champs-Élysées em homenagem à presidenta.
É bom lembrar que o Brasil deslumbra a França desde sempre. Na capa da revista Challenges, Dilma surge dando um adeus com a mão direita, sorriso nos lábios. Abaixo lemos, em maiúsculas: “Brasil: O País Onde É Preciso Estar”. E qual o motivo? No início do especial de 17 páginas, os franceses aprendem que 500 helicópteros sobrevoam São Paulo, uma megalópole de 20 milhões de habitantes, para evitar o trânsito. Isso, entenda o leitor, é visto como sinal de progresso, são equívocos eivados de deslumbre. Paris, em lugar dos helicópteros, oferece a qualquer cidadão a possibilidade de, mediante um cartão, alugar pelas ruas um carro elétrico pelo mínimo de uma hora. Sem falar de bicicletas, e, provavelmente, do melhor sistema de transportes do mundo.
A Challenges impressiona-se, ainda, com a Rua Oscar Freire, em São Paulo, e, em particular, com uma loja de 300 metros quadrados que vende sandálias Havaianas. A publicação diz que a Oscar Freire é a Avenue Montaigne. É preciso ver a esplêndida rua parisiense para compreender como a comparação é, no mínimo, grotesca. O motivo, segundo a Challenges, do sucesso de São Paulo? Seu tamanho, responde um banqueiro. Seu clima. Seus recursos naturais: ferro, petróleo, ouro, alumínio e, é óbvio, soja. E lá em Sampa tem sol. Impressiona a facilidade com que o mito Brasil faz sucesso, especialmente na França. A Challenges não fala do poder do crime organizado, de favelas, do trânsito caótico, da carência de transporte público.
Em compensação, a revista traça um perfil correto da presidenta, a começar pela descrição de uma moça de 22 anos “bonita, magra e cansada”. A foto que ilustra o texto remonta a 1970 e mostra uma Dilma que acaba de sair da masmorra da ditadura. E a Challenges registra: passou três anos na cadeia e foi torturada “sem denunciar nenhum companheiro guerrilheiro”.
A revista percorre seu currículo até a Presidência, louva a atual política econômica do seu governo e acentua ao cabo que o nível de desemprego nunca esteve tão baixo. Se em relação a São Paulo, a Challenges está longe de expor toda a realidade, o perfil de Dilma é fidedigno. E em Paris ela surpreendeu pela energia exibida no cumprimento de uma agenda intensíssima e também pela precisão e clareza com que expôs seus propósitos de expandir a competitividade do Brasil, resolver questões de infraestrutura e reduzir o custo de produção.
Impressionou ainda a firmeza com que revidou a The Economist com seu pedido de demissão de Mantega e sua equipe. A queda dos preços das commodities e famílias endividadas seriam, segundo a revista britânica, os entraves maiores para a economia brasileira. A demissão de Mantega daria a Dilma a confiança da chamada “comunidade internacional”, segundo o semanário inglês.
Dilma reagiu. Lembra que não houve Lehman Brothers para quebrar o Brasil. E que aqui não há crise de dívida soberana e a inflação está sob controle. Mais: o Brasil tem uma reserva de 278 bilhões de dólares. Mas qual foi a reação de Mantega? Na coletiva, em Paris, ninguém lhe fez a pergunta sobre o ousado editorial da The Economist
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