Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo.
Adital
O que acaricia uma mulher recém-grávida quando passa as mãos sobre a sua barriga que ainda nem começou mostrar sinais? Na sua imaginação, é o seu neném que ela acaricia; mas se olharmos friamente, esse embrião ou feto ainda não desenvolveu órgãos e o sistema nervoso para que pudesse ser chamado de neném. No fundo, a futura mãe acaricia o futuro que deseja. Ela sabe que carrega dentro de si o seu filho ou sua filha, mesmo que ainda não é, porque a realidade não é feita somente do que é no ato, no momento, mas também aquilo que pode ser, a promessa que o presente carrega dentro de si. Aristóteles já nos ensinou que o que chamamos de real está composto do que é em ato e a potência, aquilo que pode ser.
O amor ao futuro que pode ser e que é desejado alimenta nossa esperança. Essa capacidade de ver o que ainda não existe, de viver a vida como se o futuro deseja já estivesse presente mesmo que de modo invisível, tem a ver com a fé. Essa articulação entre o que existe e a promessa do que pode ser melhor é uma característica do modo humano de conhecer e viver.
Em tudo na vida, desde a gravidez até lutas sociais e políticas revolucionárias, passando por situações cotidianas como sair de casa para ir a cinema, vivemos essa "mistura” entre o presente e o futuro e, portanto, também o passado.
O debate em torno da permissão ou não da interrupção da gravidez de um feto anencefálico tem muito a ver com essa perspectiva do futuro. O STF decidiu que um feto sem cérebro, por não ter possibilidade de viver após o parto, não é uma vida humana e, portanto, a interrupção da gravidez não se caracteriza como aborto. O que estava legalmente em discussão não era o aborto, mas se fetos com essa anormalidade são ou não portadores de vida humana, isto é, se tem possibilidade de se tornarem ou se realizarem o seu potencial de ser humanos.
As mães que decidem levar esse tipo de gravidez adiante, provavelmente, fazem isso por amor ao que poderia ter sido! Desejam viver com amor, no presente, o futuro que não poderá acontecer. Mesmo que isso seja por curto tempo e carregado de dor e angústia por saber antecipadamente do final triste. As mães que preferem interromper, provavelmente, fazem isso por sentir que a dor da interrupção do futuro desejado é demasiada para suportar. Preferem interromper a gestação porque o futuro que se encaminha é tão triste e doloroso que o presente se torna insuportável. Não interrompem a gravidez porque rejeitam a criança, mas porque não suportam no presente a dor prevista no futuro próximo.
Como podemos julgar essas mulheres sem passar na pele essa situação tão dramática? Se não nos colocamos no lugar das pessoas que sofrem, nossos juízos pretensamente éticos, baseados em valores pretensamente eternos, não passam de juízos moralistas. Isso vale para todos os casos em que há muita dor envolvida, casos em que nenhuma resposta dá conta de modo definitivo.
[Aautor, com H. Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”. Twitter: @jungmosung].
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