Jung Mo Sung
Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo.
Adital
No artigo anterior, eu afirmei que "a força social do cristianismo está na sua espiritualidade”. Gostaria neste artigo aprofundar um pouco essa questão.
No passado, quando se vivia uma estreita aliança entre o poder político e a religião considerada oficial, a força social dessa religião nascia dessa aliança. Isto é, a igreja tinha capacidade de impor sobre toda a população a sua visão de mundo e sua moral porque utilizava os instrumentos do Estado, como as leis ou o sistema educacional. Além disso, a aliança com a elite que detinha os meios de comunicação facilitava a socialização do que se chamava de "cultura cristã”.
Como toda aliança, os dois lados, a igreja e a elite/governo, tinham suas vantagens e custos a pagar. Para o cristianismo, o "custo” foi o de perder a dimensão profética, crítica, da sua fé em nome da massificação dos seus valores na sociedade. Muitas vezes, essa troca significou também uma inversão da própria identidade do cristianismo. De uma religião perseguida pelo império, passou a ser perseguidora de "herege” e defensor dos impérios aos quais estava aliada.
Com a secularização, a separação da Igreja e do Estado, e consequente perda do poder político da Igreja, o cristianismo foi aos poucos perdendo a força no campo social e político e sendo "empurrado” para a esfera do privado. Só que a redução da fé ao campo de ritos religiosos e à esfera da vida privada é também uma forma de perda da identidade/missão do cristianismo. O cristianismo de libertação (CEBs, TL, cristãos de classe média comprometidos com causas sociais etc) foi e é uma proposta de recuperação do papel profético e social do cristianismo. É claro que há outros tipos de proposta. Por exemplo, há setores do cristianismo que procuram reconstruir o antigo sistema de cristandade, de aliança com Estado e a elite, em nome da volta da "cultura cristã”.
Se essa proposta de um novo tipo de cristandade tiver sucesso, a força social do cristianismo viria novamente da sua força política advinda dessa aliança. A fonte da sua força não estaria em si mesma ou na sua espiritualidade, mas na aliança com o poder político e econômico.
Eu penso que único tipo de força social que o cristianismo precisa buscar na sociedade de hoje é a que nasce da sua própria espiritualidade. Não somente para se manter fiel a sua identidade original, de comunidade movida pela ação do Espírito, mas também porque a sociedade contemporânea só irá respeitar de verdade o cristianismo na medida em que a sua força nasça da vivência espiritual.
Espiritualidade cristã não se resume a esfera da vida privada, mas também não pode ser identificada com ou reduzida a atividades sociais e políticas. Por exemplo, ações políticas ou sociais feitas por cristãos que se reduzem a denúncia e mais denúncia não podem ser compreendidas como ações movidas pela espiritualidade. Porque a presença do Espírito denuncia, mas a sua "luz” nos mostra o novo, o diferente que pode ser. Esse novo que se vislumbra também não pode perder contato com a realidade existente.
Imaginações radicais, sem nenhum contato com possibilidades históricas, não é uma espiritualidade encarnada na vida. Só espiritualidades que se encarnam nas condições históricas e abrem o horizonte para o novo são expressões da fé em Deus encarnado, crucificado e ressuscitado.
E onde podemos ver, encontrar, esse cristianismo que mostra a sua força social através da sua espiritualidade encarnada? Há muita gente pessimista com a atual situação das igrejas cristãs (sejam a católica, protestantes históricas ou evangélicas e pentecostais). Eu prefiro crer que o Espírito não parou de soprar entre nós; o que precisamos é estar abertos para ver essa manifestação em lugares novos, não esperados por nossas teologias.
[Jung Mo Sung. Autor, com Hugo Assmann, do "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres” (Paulus). Twitter: @jungmosung]
Nenhum comentário:
Postar um comentário